Ato e Canto pela Vida reúne trabalhadores e sociedade civil em defesa dos trabalhadores
Por Fábia Medeiros e Renan Honorato / Canal da Praça
Neste domingo, 27, mais de 70 entidades se reuniram na Praça Memorial Vladimir Herzog / Espaço Cultural a Céu Aberto Elifas Andreato para celebrar a vida e a memória dos trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho. A segunda edição do Ato e Canto pela Vida aconteceu em homenagem ao Dia Internacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças relacionadas ao Trabalho, comemorado em 28 de abril.
Dados da Previdência Social apontam que entre 2013 e 2023, foram registrados mais de 6,8 milhões de acidentes de trabalho no país, que causaram quase 1,6 milhão de afastamentos e resultaram em 27.484 mortes. Estes dados estão no manifesto criado pelas entidades organizadoras que foi distribuído durante o ato. Além de denunciar a precarização no local de trabalho, o documento cobra “um efetivo sistema de saúde e segurança, construído com ampla participação dos trabalhadores e trabalhadoras, das entidades sindicais e movimentos sociais”.
Carlos Clemente, ex dirigente sindical e uma das maiores referências na luta em defesa da saúde e segurança do trabalhador no Brasil, demonstra preocupação com os crescentes números divulgados pelo governo. O sindicalista acredita que, de certa forma, a pejotização contribui para que esses números sejam ainda mais elevados do que os divulgados pela Previdência.
“Recordo, com pesar, um acidente ocorrido na cidade de Itapecerica da Serra (SP), que tirou a vida de nove pessoas, das quais apenas duas tinham vínculo formal de trabalho. Muitos trabalhadores se acidentam e, hoje, não há mais uma empresa diretamente responsável; apesar de estarem prestando serviços para essas companhias, agora são considerados seus próprios patrões. É uma parcela vulnerável”, lamenta.
Para Maria Maeno, médica e pesquisadora da Fundacentro, é necessário integrar vários ministérios, em especial os da Saúde, Previdência Social, Trabalho e Emprego, Direitos Humanos, dentre outros, para um efetivo combate aos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Maeno ressalta que, mesmo com os altos números de acidentes divulgados pela Previdência Social, ainda não houve um aprendizado concreto para evitá-los.
“Nós precisamos ter um esforço conjunto de várias áreas e setores governamentais e da população civil, dos trabalhadores e movimentos sociais. É fundamental essa participação”, aponta a pesquisadora Silvana Souza, diretora do SIEMACO-SP, relembra as diversas lutas históricas travadas pelos trabalhadores e destaca que participar do Ato e Canto pela Vida é mais uma forma de dar voz à categoria e chamar a atenção da sociedade civil e dos governantes.
Ela ressalta o trabalho que o sindicato realiza junto aos departamentos de Recursos Humanos das empresas, como campanhas de conscientização das organizações e dos trabalhadores, que trata, entre outros temas, da saúde mental no ambiente de trabalho. “Hoje, o nosso sindicato promove a campanha #RespeitoTodoMundo, que aborda questões como assédio moral, psicológico, mental e físico. Também tratamos do fim da escala 6x1. É um trabalho intenso que estamos desenvolvendo em parceria com as empresas”, afirma Souza.
“Estar pela segunda vez na Praça Vladimir Herzog é fantástico. A partir do trabalho do ano passado aqui na Praça, cresceu a participação da sociedade civil na luta em favor da classe trabalhadora nas questões sobre saúde e adoecimento no trabalho”, comenta a líder sindical Cleonice Caetano Souza, vice-presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), entidade que reúne diversas centrais sindicais com representação em todo o território nacional.
Cleo também destacou a importância da mulher no combate e na prevenção de acidentes de trabalho, e falou da dificuldade de disputar espaços e lutar pela saúde das trabalhadoras e dos trabalhadores. “O Canto pela Vida é um momento em que podemos falar por aquelas pessoas que não têm essa mesma oportunidade. É a classe trabalhadora, é a nossa sociedade que lida todos os dias com a opressão, a desigualdade e a invisibilidade. É o melhor que podemos fazer: de mãos dadas, um único grito de vida — viver, sim; trabalhar, sim; adoecer, não”, explica.
Há pelo menos uma década, a Pastoral Operária — braço social vinculado à Igreja Católica — se junta à campanha do Dia Internacional em Memória das Vítimas de Doenças do Trabalho. Gilmar Ortiz, articulador da região Sudeste da Pastoral, destaca a atuação de um grupo de trabalho que discute temas como o fim da escala 6x1, a culpabilização da vítima em casos de acidente e a precarização das relações trabalhistas, intensificada desde a reforma de 2017. “Acidente de trabalho não é culpa da vítima — esse é um lema que atravessa todos os temas que abordamos, como o trabalho de imigrantes e outras pautas com as quais lidamos. Essa é a base das nossas reflexões”, analisa Ortiz.
Lugar de encontros e reencontros
Há três anos, todo último domingo do mês, o evento “Todo Mundo Tem Que Falar, Cantar e Comer” acontece na Praça Memorial Vladimir Herzog por iniciativa do Coletivo Cultural Associação de Amigos da Praça Vladimir Herzog.
Nesta edição especial, a atração musical foi Paulinho Timor com o conjunto de samba Inimigos do Batente. “O batente não é o trabalho, não é a jornada: é tudo o que nos aparta do genuíno trabalho, da boa jornada, do fazer o que nos é dado fazer, de nós mesmos. Tudo o que nos oprime. Inimigos do batente são todos aqueles que não se resignam à opressão”, afirma Paulinho Timor sobre a roda de samba que já se reúne há mais de 25 anos. Para o evento, realizado com a curadoria de Oswaldo Colibri, o grupo separou canções e compositores que tivessem envolvidas com o tema do trabalho, como Zé Keti e Adoniran Barbosa.
Para comandar a linha de produção da cozinha, os Cozinheiros da Liberdade escolheram como chef Og Dória, membro do conselho participativo de Pinheiros e região. Com a ajuda de Ronald Sclavi e voluntários, o feijão tropeiro foi servido na cozinha itinerante no tradicional molde Quem pode, paga; quem não pode, pega.
Rodolfo Lucena, editor do portal Tutaméia, aproveitou o momento para relembrar a luta dos estudantes de jornalismo de Porto Alegre. Em 1975, em protesto ao assassinato de Vladimir Herzog, os departamentos de jornalismo e biblioteconomia da UFRGS resolveram colocar uma placa em homenagem ao Vlado no diretório acadêmico. Porém, por conta da repressão, a placa foi retirada à força em menos de 24h. Cinco décadas depois, como forma de resgatar essa homenagem, esses profissionais não apenas reinstalaram a placa e nomearam o diretório como Vladimir Herzog, mas fizeram uma edição especial do jornal alternativo O Lampião contando essa história. Alguns exemplares foram distribuídos gratuitamente durante o evento no domingo.
Vale lembrar que a Praça Vladimir Herzog foi, ano passado, certificada como Ponto de Memória pelo Ibram – Instituto Brasileiro de Museus - e como Ponto de Cultura pelo Ministério da Cultura.
Veja as fotos de Sergio Decourt e Jorge Araújo aqui.
Leia também:
Manifesto criado pelas entidades organizadoras e distribuído durante o ato.
Brasil registra 83,6 acidentes do trabalho por hora
Ato e Canto pela Vida, realizado domingo em São Paulo/SP, ocupa praça pública em defesa de redução da jornada, fortalecimento das Cipas e integração de ações ministeriais voltadas para saúde e segurança dos trabalhadores https://www.gov.br/fundacentro/pt-br/comunicacao/noticias/noticias/2025/abril/brasil-registra-83-6-acidentes-do-trabalho-por-hora
"Ato e Canto Pela Vida" terá samba, feijão tropeiro e protesto em defesa do trabalhador. Veja.
Visite a Praça Memorial Vladimir Herzog
Rua Santo Antônio, 33, Bela Vista – São Paulo – SP, atrás da Câmara Municipal de São Paulo, em frente ao Terminal Bandeira.
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