22/03/2022

Como financiar o jornalismo digital e independente?

Texto: Ruam Oliveira/ Edição: Anelize Moreira/ Ilustração: Beatriz Cristina*

A revolução digital abriu caminhos antes impensados. No caso da existência de veículos de imprensa, o que antes era uma tarefa difícil – como fundar seu próprio veículo –, hoje é algo relativamente simples que só requer alguns cliques e um mínimo conhecimento em wordpress.

Mas como manter essas iniciativas vivas e desenvolver jornalismo de qualidade? Em poucas palavras, a resposta é: precisa de dinheiro. Diferentemente de criá-las, encontrar maneiras de financiamento, que garantam a sustentabilidade do negócio, exige elementos diversos que vão além do saber reportar ou escrever jornalístico.

“Mais dinheiro, mais jornalismo”, pontuou Janine Warner, cofundadora e CEO da SembraMedia, organização que orienta e auxilia veículos independentes na gestão de seus negócios, durante painel no Festival 3i, nesta quarta-feira, (16). A mesa foi mediada por Rosental Calmon Alves, fundador e diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.

Com o ambiente digital, ocorreu a oportunidade de nascimento de novos meios e o número de iniciativas de jornalismo independente no Brasil e no mundo cresceu nos últimos anos, assim como a diversidade de tamanhos, formatos, narrativas e reconhecimento pela credibilidade do trabalho jornalístico.

Janine Warner estuda esse tipo de mídia há mais de dez anos e pontuou que apesar de ser um grande desafio, a sustentabilidade de um veículo de mídia nativo digital é um trabalho mais fácil de ser conseguido do que aqueles que precisam migrar do analógico para o digital.

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Mas a garantia de sucesso das organizações não está centrada apenas na quantia de dinheiro que recebem, mas também na origem desse financiamento. Há casos de projetos jornalísticos que contam com apenas um tipo de financiamento, seja por meio de doações, seja por publicidade. Warner afirma que o ideal é que tais veículos, em prol de sua sobrevivência, estejam aptos a ampliar as formas de receber dinheiro.

O financiamento de um veículo independente pode vir de doações, mas também de publicidade, de bolsas do governo, de assinaturas etc. “Se temos só publicidade ou só um doador, ficamos mais vulneráveis”, disse Warner. Além da sustentabilidade financeira, diversificar a receita ajuda a manter a independência e a integridade jornalística.

Um exemplo brasileiro de veículo de imprensa independente bem sucedido é o JOTA, startup de cobertura especializada do judiciário e das instituições públicas com faturamento na casa dos R$6 milhões. A iniciativa também recebeu aporte do fundo de capital de risco Astella Investimentos no valor de R$6,8 milhões e também cria diferentes produtos por assinatura, como o JOTA PRO, que é um serviço voltado para empresas. O JOTA foi eleito a melhor startup de mídia digital do mundo em 2019 e é um estudo de caso de jornalismo empreendedor.

E não apenas as fontes de receitas precisam ser diversas como a própria composição dos veículos também, contendo pessoas de diferentes áreas e com habilidades distintas.

Equipes com habilidades diversas, na área de tecnologia e vendas, por exemplo, geram mais renda, é o que aponta o relatório “Ponto de Inflexão“, desenvolvido pela SembraMedia.

“ De modo mais notável, as organizações de mídia nativas digitais que têm na equipe uma pessoa remunerada da área comercial ou de desenvolvimento de negócios informaram receita seis vezes maior daquelas sem uma pessoa dedicada à área comercial ou desenvolvimento de negócios”, diz o relatório.

Diversidade de narrativas

Outro elemento central do avanço e continuidade de projetos independentes de jornalismo está na possibilidade de ampliar a gama de cobertura, focando em diferentes assuntos que são pouco explorados pela mídia tradicional.

A vice-presidente de Excelência Corporativa na Report for America, Alison Bethel, que também participou da mesa, conta que ao trabalhar com veículos brasileiros constatou que há iniciativas interessantes e de conteúdo investigativo que já estão sendo realizadas no país, mas que precisam de um apoio de distribuição e de financiamento.

A organização onde atua trabalha para conseguir subsídios para redações de diferentes regiões do mundo e que possuem um foco em questões específicas, com menos espaço na mídia tradicional.

“Temos por volta de 250 redações e metade são sem fins lucrativos. As nossas redações são muito diversas e temos muitas com foco na comunidade negra. Vemos cada vez um número maior nesse nicho específico e muitos começaram no século passado”, comentou Bethel.

A quantidade de veículos de mídia independente têm crescido a cada ano em todo o mundo. A Agência Pública lançou um Mapa do jornalismo independente no Brasil, com cerca de 100 veículos cadastrados. Este número – que pode aumentar com novos cadastramentos – representa apenas uma parcela de projetos em andamento em todo Brasil.

Janine citou diversos outros exemplos de sites e iniciativas independentes como o projeto de fact-checking argentino Chequeado, o venezuelano Efecto Cocuyo ou o El Sutri, site paraguaio de jornalismo investigativo, como bons exemplos de organizações que estão conseguindo se manter e fazer trabalhos de qualidade. No site oficial do SembraMedia é possível acessar um repositório com esse mapeamento de veículos independentes em língua espanhola, que já conta com 1040 veículos de 24 países.

Para quem se interessa pelo tema e quer conhecer um pouco mais sobre o universo de empreender no jornalismo, o Centro Knight lançou um curso gratuito sobre jornalismo empreendedor. Com início em abril de 2022, o treinamento acontece na modalidade MOOC e é voltado para estudantes e jornalistas. Saiba como se inscrever aqui

*Texto produzido pela redação-laboratório do Projeto Repórter do Futuro para o Festival 3i 2022 como parte da Cobertura Colaborativa #FocaNo3i

Confira a mesa na íntegra

https://www.youtube.com/watch?v=idOT8AwPB7A

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