01/03/2021

Entrevista: "O Café sem Pauta é uma aula sobre como apurar", diz professor

Ruam Oliveira | OBORÉ Projetos Especiais

O Café sem Pauta é espaço aberto da OBORÉ para conversas sobre o jornalismo e sobre a vida. Sempre aos sábados pela manhã, um assunto é colocado em discussão e dele surgem histórias, memórias afetivas e de carreira que geram inquietação nos convivas - jovens estudantes e profissionais de longa data.

Foi Ronald Sclavi, professor universitário e membro da coordenação do Projeto Repórter do Futuro, quem deu a ideia de transformar em “Café com Pauta” os cafés comunitários que antecediam as coletivas de imprensa no módulo Descobrir São Paulo, Descobrir-se Repórter. Nessa entrevista, Sclavi comenta como tem sido participar dos encontros de sábado e trocar experiências com outros participantes.

Como tem sido conversar sobre jornalismo aos sábados pela manhã?

É muito divertido. Na verdade, eu nem vejo como uma conversa necessariamente focada no jornalismo, acho que é uma conversa mais [sobre a] vida. O que aconteceu com a sociedade, essa coisa de estarmos fechados em bolhas, da polarização... Ambientes de conversa são coisas muito raras e ter uma ambiência capaz de absorver aquilo que você fala, de ter uma conversa e poder discordar ou concordar, com educação, clareza, afetos, é muito raro. Então qualquer espaço que se propõe a isso é delicioso, vira uma coisa quase nostálgica, parece algo de outro tempo. Apesar de estarmos vivendo com uma tecnologia super avançada, que é isso aqui que nos proporciona essa união sem estarmos necessariamente unidos, o tom é um tom antigo o do Café sem Pauta, parece que estamos numa roda nos anos 70... É ali que eu encontro o Mauro Malin, o Aldo Quiroga, a Marilu Cabañas, o Serjão... É um jeito de encontrar pessoas que fazem sentido na vida da gente. Acho que é melhor que o jornalismo... O jornalismo é nosso assunto porque somos majoritariamente jornalistas, mas não é só isso.

O Sergio Gomes disse que o Café sem Pauta é como os antigos encontros no Conjunto Nacional...

A gente costuma contrapor o virtual ao real. Isso é um senso comum, [colocar] de um lado o virtual do outro o real. O Pierre Levy, aquele linguista e filósofo francês que na minha opinião fez a melhor leitura desse momento que estamos vivendo, diz que o virtual não é o oposto do real. Isso é uma bobagem. O que há de irreal no Café sem Pauta? É tudo real. Ele diz que o virtual é uma potência. Está ali latente. O virtual é uma potência e acho que o Café sem Pauta carrega um pouco dessa essência. Amanhã ou depois, quando isso acabar, a gente continua igualzinho em algum lugar ou do mesmo jeito. Acho que isso é muito legal. As pessoas vão se aglutinando e com a tecnologia isso é possível. E o próprio surgimento do café sem pauta... não sei se você conhece

Conheço sim, sei que começou com o Descobrir São Paulo...

Quando você falou desse papo eu fiquei pensando “mas exatamente, quando isso aconteceu? Quando o nome aconteceu?”. O último módulo do Descobrir São Paulo foi o 13º. No 12º Descobrir SP, ainda presencial, naquele momento que antecedia a chegada do entrevistado para a conferência de imprensa e entrevista coletiva, notamos que aquele grupo do 12º estava muito calado e demorava a engatar perguntas, a coisa estava um pouco mole, preguiçosa, e pensamos em dar uma ‘incendiada’ nesse grupo. Pensamos eu, Sergio e Ana, por que não usamos esse momento do café para dar uma aquecida na pauta? Daí surge o “Café com Pauta”.

Mas era um termo interno. Aí veio o 13º. A convocação havia sido feita pela internet, e pum...veio a pandemia. Acho que tínhamos em torno de 200 possíveis candidatos e aí a pandemia nos pegou a todos de calças curtas, porque não sabíamos como seria... Convidamos alguns coordenadores para entender como faríamos... Só que aconteceu uma coisa absurda porque a vontade de fazer foi tão grande que incendiou todo mundo e fez com que a Escola do Parlamento e a TV Câmara também viessem com a gente e tivemos além dos encontros no Zoom, um programa aberto ao público na TV.

Eu sempre recusei a TV e de repente tive que botar a cara na câmera e apresentar...

Como você tem observado essa interação entre as gerações?

Eu estava pensando sobre isso. O que às vezes passa sem a devida percepção é que não são duas gerações, são várias. Vocês não notam é que, por exemplo, eu e o Aldo, que temos a mesma idade, nos encantamos em ouvir gente como o [Mauro] Malin, por exemplo. O Malin é o cara que faz a gente virar aluno do Repórter do Futuro ouvindo ele falar. Eu viro aluno, viro moleque... Outro dia eu parei emocionado em ouvir a Mara Régia [Di Perna] falando. Ela fez uma narrativa e para além do assunto, o jeito como ela narrou foi emocionante... São pessoas de outra geração, que nos antecederam no mercado e na vida. A minha geração interage um pouco com os mais velhos e a garotada a cada edição tende a se colocar um pouco mais. Às vezes tem uma relação muito respeitosa, muito bonita dos mais jovens, uma audiência muito atenta, procurando um direcionamento. E a cada edição o protagonismo da garotada aumenta...

Saiba mais sobre o Café sem Pauta

Você, como professor de comunicação, entende que esses encontros servem como algum tipo de complemento na formação dos estudantes?

Eu acho que sim. Eu dou aulas desde 1995. Quando me formei – e comecei a dar aulas logo depois de formar – tive muitos professores “profissionais”, que não eram acadêmicos. Eram graduados, mas não jornalistas de formação, eram do tempo que ainda não existiam os cursos de jornalismo. Eles eram muito duros e não tinham muito rebolado em relação à didática e ao ensino. Eu ouvi muito de professores dizendo “Estou aqui porque quero, senta aí, pega o que é útil e não enche o saco”. Por que estou usando esse exemplo? Porque a gente saía com esses professores, íamos beber com professores. O melhor momento das minhas aulas da época com esse professorado não eram as aulas, eram esses quinze minutos finais que a gente colava na mesa do professor e ficava batendo papo. [Hoje] O professor tem lá o plano de ensino dele, um conteúdo a zelar e ele não vai conseguir discutir o dia a dia e o que está acontecendo sempre, então vai fazer falta para o aluno. Eu como professor de jornalismo, não agora porque isso sim foi um prejuízo com as aulas remotas, mas no tempo das aulas presenciais sempre abri minha aula perguntando o que os alunos haviam lido durante a semana. Então os quinze minutos iniciais eram sobre a semana que passou e acho que o café sem pauta traz um pouco disso. É complementar porque pega a teoria e tenta encaixar com aquilo que se está discutindo, então é importante e eu adoraria ter isso na universidade.

O nome é café sem pauta mas você acha possível sair dos encontros com muitas ideias de pauta?

Facilmente. Acho que dá para tirar duas coisas: Primeiro, pautas mesmo, assuntos; Segundo, metodologia de trabalho. O café sem pauta acaba sendo uma aula sobre como apurar uma reportagem. Ouvir os profissionais falando sobre como eles fazem, as experiências que tiveram e como percorreram, dá para fazer coisas incríveis. É uma bela fonte de pautas, sim. Eu tento levar algumas pautas, porque o café é um espaço também de pré-pautas, de assuntos que estão nos inquietando. Uma reunião de pauta clássica é realmente o Café sem Pauta. Nunca teve nas reuniões de pauta uma coisa organizadinha, bonitinha... Eu tive um chefe como Fernando Vieira de Melo, por exemplo, que começava falando da vida, como o Serjão. Eram sempre reuniões muito proveitosas. Cansei de participar de reuniões de pauta onde a pauta convencional ficava por último, mas onde saíam ideias que viraram grandes pautas.

Quais são os pontos altos desses encontros para você?

Primeiro, para mim é a oportunidade de conviver com essas pessoas. Se pegar a Marilu Cabañas, por exemplo, eu fui repórter de rádio e alguns repórteres eram como heróis para a gente. Para mim a Marilu era um desses. Ela era muito corajosa, muito fora do padrão fazendo reportagem, aquela energia bonita, com vivacidade fazendo reportagem... Conviver com essas pessoas é muito bacana. Pessoas que eu lia, que eu ouvia e acompanhava de longe. Gosto também da diversidade de visões. Quando uma coisa chama a atenção do outro e ele fala “pô, não tinha notado”. Tem um dado aí de explicar o mundo, que anda muito complicado. É muito difícil explicar o mundo porque é também difícil entende-lo, e no café sem pauta às vezes a gente vai com algo na cabeça e meio que esclarece um pouco, porque é tanta gente oferecendo versões e explicações que tira os véus. É muito bom.

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