De Frente para o Brasil

De Frente para o Brasil

Prefácio – D. Paulo Evaristo Arns

Quando realizei meus estudos na Sorbonne, de 1947 a 1952, tinha mais de duzentos colegas que estavam na mesma sala de aula, quase todos gravemente feridos da guerra.

Estavam lá para conquistar um diploma e não queriam ser mendigos do Estado.

Vendo-os, ouvindo-os e recebendo deles o relatório que faziam de Dachau, o campo de concentração mais famigerado do mundo, me veio a idéia de escrever uma tese sobre a memória do povo, sobre o que não pode desaparecer sem ser mencionado para que o futuro não repita esses fatos.

E não os esqueça na educação das novas gerações.

Meus colegas tinham uns caderninhos de notas e neles se apoiavam para relatar os fatos. E foram esses cadernos que me deram a idéia de fazer a tese, de escrever um livro sobre isso.

Realmente escrevi um livrinho mas que saiu totalmente diferente daquilo que eu pensava no começo porque a coordenação do curso não aceitou minha orientação e minhas idéias. Então, escrevi um trabalho sobre as técnicas do livro no século IV, ou seja, no tempo de São Jerônimo que era o maior repórter da sua época.

Agora, fiquei muito feliz de ter ido ao Centro de Imprensa / Redação-Escola da nossa OBORÉ para receber o Diploma de Presidente Honorário do Instituto Gutenberg, criado pelo jornalista Sergio Buarque de Gusmão, e participar do Repórter 2000.

Fiquei imensamente grato com esta homenagem. Tenho certeza que não mereço, mas a recebi com muita satisfação. Só lamento estar completando 75 anos e ter feito tão pouco neste mundo

De fato, os jornalistas me conquistaram quando eu tinha 12 anos.

Escrevi meu primeiro artigo - que foi publicado - quando tinha 12 anos.

Com 12 anos e meio, fundei meu primeiro jornal. Quando entrei para o 2º ano ginasial fundei o segundo jornal. Esse durou três anos e saía todos os domingos.

Depois disso, acho que trabalhei na imprensa a vida inteira. E ainda agora estou gravando 19 programas semanais e escrevendo para três jornais importantes da cidade, inclusive para O São Paulo que é o menor, mas o mais corajoso.

Quanto ao rádio, meus amigos, é o meio de comunicação que penetra no ouvido, na alma e no coração do povo com muito mais insistência e intensidade do que a própria televisão.

Nós precisamos trabalhar com todos os meios de comunicação e não se pode esquecer o rádio.

Acho que chegou a hora em que o jornalismo precisa ser respeitado. Eu, da minha parte, quero dizer a cada um de vocês que vou manter esse respeito até o fim da minha vida: A imprensa precisa ser livre para o mundo poder ser livre.

Vou contar-lhes uma passagem.

Dom Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, na América Central, era meu grande amigo. Quando nos despedimos em Puebla, no México, em 1979, perguntei : "Oscar, quando nos vemos de novo?" Ele disse "quiçá...?", fez um sinal e foi embora.

Dia 24 de março de 1980, durante a Missa, na hora em que ele levantava o cálice para ofertar a Deus todo o alimento da humanidade, alguém entrou pelo fundo da igreja e o fuzilou com um tiro na testa. Morreu na hora.

Quando celebrávamos na Catedral da Sé, em São Paulo, a memória desse martírio de Oscar Romero, chega o jornalista José Maria Mayrink e me entrega um cartão escrito à mão por D. Oscar, mais folhetos e documentos sobre o arcebispo de El Salvador, seu trabalho de repórter e a repercussão do assassinato.

O Mayrink foi o último jornalista a entrevistar Oscar Romero. Dom Oscar entregou o material ao jornalista que não só presenciou todas as manifestações posteriores tão dramáticas daquele momento, mas também foi testemunha ocular da história.

A vida de um jornalista corre perigo ao entrar numa batalha onde balas se cruzam e podem atingir as pessoas que fazem reportagem.

Eu gostaria de felicitar os que escolheram uma carreira, digamos, perigosa para o indivíduo, mas que é indispensável para a coletividade. Eu gostaria de felicitá-los pela busca constante de um aperfeiçoamento da comunicação com o povo.

Estes Cadernos de Jornalismo do Projeto Repórter 2000 são como os caderninhos de notas dos meus antigos colegas que haviam escapado dos campos de concentração.

Eles registram a palavra, a trajetória de vida, os sonhos, análises e projetos de pessoas importantes porque se colocaram e ainda se põem De Frente Para o Brasil: para ajudar a resolver os imensos problemas que afligem a vida do nosso Povo.

Os que não puderam assistir às palestras e participar das entrevistas coletivas na OBORÉ Projetos Especiais, agora dispõem deste caderno para fazer a ponte entre esse passado recente e o futuro que os espera.

Os jornalistas, de fato, têm de mudar o mundo. E são eles que vão mudar o mundo.

A todos, coragem e esperança!

São Paulo, 12 de março de 1997

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