24/11/2023

Pesquisa é a base de todo trabalho documental, garante cineasta Mariana Gabriel

Diretora e pesquisadora da série ‘Guarany: Histórias do Circo dos Pretos’ compartilham com estudantes do Projeto Repórter do Futuro como é produzir um documentário que também é um álbum de família.

A memória não está só nos arquivos e registros, está também na oralidade, aponta a cineasta Mariana Gabriel ao ser questionada sobre fontes de informação, durante o quarto encontro do módulo Cinema e Jornalismo: Luzes sobre São Paulo, no sábado, 11/11.

Mariana participou do evento acompanhada da jornalista Daise Alves dos Reis Gabriel. Daise é mãe de Mariana, filha da palhaço Xamego, vivida pela atriz Maria Eliza Alves dos Reis, a primeira palhaça negra no Brasil.

Card ilustrativo do encontro com Mariana Gabriel e Daise Alves dos Reis Gabriel durante a 3ª edição do módulo Cinema e Jornalismo - Luzes sobre São Paulo.

Daise é pesquisadora e uma das protagonistas, juntamente com Maria Eliza, da obra audiovisual ‘Guarany: Histórias do circo dos Pretos’, que faz parte de uma trilogia que contempla parte da história de sua família e da própria história do circo no Brasil.

Acompanhado das obras ‘Minha avó era palhaço’ e ‘Os Caminhos do Negro João Alves por esse país de Meu Deus’, o documentário conta a trajetória de um circo-teatro entre os anos 1948 e 1958, fundado pouco após a abolição por João Alves da Silva, homem negro e filho de mãe escravizada. Nele são narrados espetáculos de luta, resistência, alegria e artes circenses, tudo sob o comando da atriz Maria Eliza, Xamego, sua família e sua plateia.

Mariana destaca também que a pesquisa é parte fundamental e central do projeto de resgate e registro de todos os trabalhos que já realizou. “Não podemos apenas nos basear em livros e registros históricos, porque, por exemplo, as pesquisas indicam que o primeiro palhaço feminino no Brasil foi apenas a partir de 80. E minha avó já era palhaço em 1940”.

“A gente não teve as respostas para todas as perguntas que procuramos, mas tivemos outras tantas respostas e caminhos que não esperávamos encontrar”, sinaliza Mariana ao acrescentar que “para mim esta falta de controle de não saber o que vamos encontrar quando estamos buscando é entusiasmante”.

“A história é esférica, não é bidimensional.Naquele momento, o circo rodava na periferia da cidade, que é uma outra cidade”, destaca Mariana ao referir-se a uma cultura viva e sempre surpreendente: “A cidade é viva, é um organismo”.

Daise aponta que a pesquisa serve para acrescentar e ambientar tudo o que é descoberto, contextualizando e trazendo outros recortes da história. “Encontrar registros que confirmam uma história é muito bonito. O quanto uma história puxa outras histórias, o quanto das nossas histórias de vida são histórias da nossa sociedade também”.

Outras narrativas

“Quando ela mostrou que era mulher, foi um ato político dela”, afirma Mariana ao lembrar da revelação de sua avó, Maria Eliza, ainda em uma época em que havia apenas palhaços homens e mesmo ela se identificava como tal. E ainda “ela [Xamego] levava sempre um camélia na lapela, um símbolo da luta abolicionista. Era um símbolo de resistência e luta”.

Mariana complementa que o circo sempre foi visto como uma arte menor, comparada ao teatro e ao cinema. “Ao pesquisar, descobrimos que foi dele que surgiram outras expressões e muitos dos artistas reconhecidos nestes outros espaços. À exemplo, os palhaços cantores, em sua maioria negros, foram os primeiros a gravarem discos no Brasil. A gente vai se dando conta do quanto a gente não sabe da nossa história”, compartilha ao declarar as surpresas do apagamento histórico que as pesquisas revelaram.

Para saber mais

Blog da Xamego (clique aqui)

Assista o documentário ‘Guarany: Histórias do Circo dos Pretos na íntegra’, aqui.

Confira aqui parte do álbum de família e alguns registros encontrados nas pesquisas

Cinema e Jornalismo: Luzes sobre São Paulo | 3ª edição - 2023

Esta edição é uma parceria entre a OBORÉ e o Instituto de Pesquisa, Formação e Difusão em Políticas Públicas e Sociais (IPFD), viabilizada por meio de emenda parlamentar do vereador Eliseu Gabriel (PSB/SP) junto à Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo.

A atividade reúne cerca de 100 estudantes universitários e recém-formados de todo o Brasil e tem a proposta de discutir a complexidade cultural, social, econômica, política e urbana da cidade de São Paulo por meio das lentes do cinema e do jornalismo.

No curso, os participantes são convidados a assistir filmes, participar de debates, reflexões e entrevistas coletivas com especialistas sobre as obras cinematográficas e as temáticas nelas envolvidas, além de produzirem, durante o percurso, trabalhos jornalísticos em diferentes formatos e plataformas - textos, vídeos, áudios ou multimídia.

Confira como foram os outros encontros do módulo:

“Imparcialidade não existe”, destaca Maria Farkas em encontro com estudantes do curso Cinema e Jornalismo: Luzes sobre São Paulo

A apuração é central no jornalismo, garantem Ana Aranha e Sergio Gomes

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