09/05/2019

Íntegra do discurso de Laerte no Prêmio Averroes

Depois de ouvir a carta de sua filha Laila - que não pode estar presente - na voz de seu filho Rafael, Laerte recebeu o troféu do Prêmio Averroes de suas mãos e realizou sua fala final.

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"É emocionante ouvir as palavras da Laila, ditas pelo irmão da Laila. A emoção é uma coisa muito boa, na conexão humana. Mas é horrível pra fazer cartum. Essa foi uma descoberta do Freud, que o Bergson também acompanhou…o humor trabalha com uma área da humanidade que é fria.

É ferro sendo batido, a frio.

Porque o que se extrai dali é uma coisa quase amarga, mas não pode ser muito amargo porque senão vira outra emoção e a ideia é que não vire emoção, a ideia é que você trabalhe naquilo a frio.

A ideia é que você possa ouvir a história de alguém que se arrebentou inteiramente e achar aquilo ótimo, engraçado… um bom exemplo, assim, da criação humana…porque é uma piada!

Ultimamente nós temos presenciado muito esse debate: quando uma piada passa a ser uma ofensa, passa a ser uma desumanidade? Essa é uma discussão importante, eu acho que a gente não deve ser sumário com essa discussão.

A gente não deve passar a régua e dizer: "Não, o Danilo Gentilli é de direita, o Gregório Duvivier é legal!", sabe? A gente não deve ser isso. A gente deve se dar o trabalho de examinar: o que é o humor? O que é fazer essas coisas que eu venho fazendo?

O Averroes eu não conhecia até o Sérgio me falar dele, mas eu fui dar um Google, fui lá na Wikipedia e vi que ele era tudo isso que o Sérgio fala exatamente e mais, ele era uma coisa chamada polímata.

Vocês sabem o que é um polímata?

É uma pessoa que extrapola a área onde ela é normalmente conhecida.
Leonardo Da Vinci era um polímata, o João Guilherme [Vargas Netto] é um polímata. Eu estava torcendo para o João Guilherme vir aqui porque eu ia mencionar ele. O João Guilherme é um polímata.

Eu de certa forma sou, mas no sentido de que não entendo nada de tudo. Eu entendo "orelhas”. O meu conhecimento se circunscreve a coisas muito rápidas - não digo superficiais. Outro dia perguntaram para um moço de direita se ele já tinha lido Marx alguma vez na vida e ele falou "Não, eu acho que não vou ler isso não porque senão pode virar polêmica”.
Eu também não li Marx - e eu fui do Partido Comunista Brasileiro. Tentei ler uma adaptação de Marx, mas nunca li. Li Gramsci um pouquinho… Também nunca li Darwin, no entanto a herança de Darwin está presente - assim como o Marxismo - está presente em uma corrente de pensamento, num modo de ver as coisas, de entender o mundo…

E agora, qual é o modo do cartunista, do humorista? A gente de certa forma passeia pelas coisas. Mas, de onde a gente tira o entendimento profundo do que é para fazer? De que lado a gente está? Eu sou a favor dessa discussão ampla e complexa do tema complexo que é o humorismo, mas eu também tenho lado nesse debate…

O Hugo Possolo, o grande palhaço dos Parlapatões, falou num documentário muito conhecido (e apedrejado), ele falou o seguinte: você pode fazer piada de qualquer coisa, não importa, o importante é saber de que lado da piada você está.

Essa é uma ideia que eu achei muito reveladora. É verdade, as piadas têm lado, as charges têm lado… Como fazer então no momento em que a gente está vivendo? Numa espécie de hecatombe, não sei… As palavras que a gente tem ouvido e sugerido para formular isso que a gente está vivendo hoje são dramáticas…

Eu vivi, trabalhei e militei nos anos do Médici também. Naquela época eu tinha 20 anos e é diferente de ter 67, a gente entra com outro pique na coisa. Mas é isso, são momentos graves, são momentos profundamente graves.

Qual é a saída? Sair e ir embora, fingir que esse negócio aqui não existe? Algumas pessoas saíram e eu não estou fazendo pouco caso da saída delas. Do Jean, da Débora Diniz, por exemplo, da Márcia Tiburi … [eles] Se ausentaram devido à pressão enorme que é você ter a sua caixa de mensagens e a sua vida invadida por ameaças concretas, dão seu endereço, dão tudo… Deixam muito claro o que vão fazer com você…

Enfim, tudo isso que a gente está vivendo, para nós que trabalhamos - né, Jal? - com humor, com quadrinhos, nos coloca à frente essa pergunta: fazer o quê?
A gente continua se emocionando com as coisas… Com os netos, com os filhos…

Minha filha que não pode vir aqui hoje vai ter a minha quarta neta, e eu vejo os netos, os filhos, as crianças que estão surgindo nessa vida, aparecendo, fazendo a sua entrée triunfal, com umas flores laranja [seu neto sobe ao palco segurando uma flor laranja feita de papel crepom].
E ao mesmo tempo os velhos queridos, tantos velhos e velhas queridas que eu revejo aqui hoje e inclusive esse velho querido [referindo-se à Luiz Inácio Lula da Silva] que está preso e que nós havemos de libertar em algum tempo. Segundo a Paula, em pouco tempo…

Bom, vou finalizar com um trechinho de um poema do Brecht que eu tinha anotado num papel, está na minha bolsa, vou ver se me lembro … É um poema chamado "Mau tempo para poesia", vou falar os quatro últimos versos desse poema: "Dentro de mim combatem / o entusiasmo pela macieira que floresce / e o horror pelo discurso do pintor de paredes “ Parêntesis: o pintor de paredes era o Hitler…"e o horror pelo discurso do pintor de paredes / e é esse último que me faz escrever".

É isso. Nesse momento, é o horror que nos movimenta, mas é a emoção que nos constitui.

Obrigada."

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