10/06/2024

Aos 60 anos de profissão, Ricardo Kotscho sente falta de gente 'boa de serviço' no jornalismo e na política para enfrentar o futuro

Considerado um dos maiores repórteres de sua geração, o jornalista Ricardo Kotscho foi homenageado com o Troféu Audálio Dantas - Indignação, Coragem e Esperança no último dia 7 de junho, Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, Cerimônia reuniu familiares, amigos jornalistas e estudantes no Salão Nobre da Câmara Municipal de São Paulo.

Em discurso, o homenageado agradeceu a comenda que leva o nome de seu grande amigo Audálio Dantas: [ este troféu ] "tem um gosto muito especial por nos lembrar de um tempo de resistência, em que lutamos juntos pelo fim da ditadura e a volta da democracia. Certamente, é o mais importante e valioso que já recebi".

O Troféu Audálio Dantas destina-se a jornalistas que dedicam suas vidas à defesa da Democracia, Justiça, Direito à Informação e Liberdade de Expressão. A ideia surgiu em 2016 com o nome “Indignação, Coragem e Esperança” por iniciativa conjunta da OBORÉ, Agência Sindical e Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé para homenagear Audálio Dantas. O jornalista se destacou na luta em defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão, especialmente no período em que foi presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, de 1975 a 1979 e de 1982 a 1983, durante a ditadura militar.

A primeira e única edição do prêmio “Indignação, Coragem, Esperança” foi entregue ao próprio Audálio Dantas em 8 de julho de 2017, dia do seu aniversário de 88 anos.

Depois de seu falecimento, em 30 de maio de 2018, o troféu foi rebatizado com seu nome, ganhou novas adesões de entidades de jornalistas e de organizações que lutam em defesa da democracia. Tornou-se um prêmio unitário com o propósito de lembrar a importância de Audálio Dantas em momentos cruciais da história recente do Brasil, além de servir de referência e estímulo para novas gerações de jornalistas, radialistas e toda a gente da imprensa.

Sobre o homenageado do ano

Aos 76 anos, o jornalista e escritor Ricardo Kotscho é colunista no portal UOL desde 2008 e apresenta o programa “Pergunte ao Kotscho” no Canal “MyNews”. Foi Secretário de Imprensa e Divulgação do Governo Lula entre 2002 e 2004, posto do qual se descompatibilizou para ter mais tempo de escrever suas memórias e retomar sua carreira de jornalista.

Nascido em São Paulo, em 18 de março de 1948, o jovem Ricardo trabalhou como ajudante de jornaleiro e redator de jornais de bairro. Foi repórter especial de O Estado de S. Paulo (1967 a 1977) e da Folha de S. Paulo nos anos 1980, com atuação significativa sobretudo ao longo da campanha das Diretas. Também foi correspondente internacional do Jornal do Brasil na Alemanha e, a convite de Mino Carta, que então comandava a equipe da revista IstoÉ, assumiu posto na publicação em plena redemocratização do país.

Nos anos 2000 viria o convite para ocupar a Assessoria de Imprensa da primeira campanha de Lula para a Presidente. Kotscho também participou da segunda campanha que levaria Lula à Presidência da República, nas eleições de 2002.

Ricardo Kotscho é autor de vários livros, dentre eles, A prática da reportagem (Ática), Serra Pelada, uma ferida aberta na selva (Brasiliense), Explode um novo Brasil – Diário da campanha das Diretas (Brasiliense) e Uma vida de repórter – Do golpe ao Planalto (Companhia das Letras).

Audálio Dantas, patrono do troféu

Conhecido como o repórter que revelou Carolina Maria de Jesus e seu Quarto de Despejo: diário de uma favelada, Audálio Dantas organizou, junto a defensores da democracia, o ato ecumênico em memória de Vladimir Herzog, ocorrido na Catedral da Sé, em 1975, após o assassinato do jornalista por agentes da ditadura, no DOI-Codi de São Paulo. À época, Audálio presidia o Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo.

Em 9 de Junho de 2008, foi agraciado com o título de Cidadão Paulistano pela Câmara Municipal por iniciativa do vereador Eliseu Gabriel (PSB).

Audálio iniciou sua carreira como fotógrafo na Folha de S. Paulo e passou pelos mais importantes veículos de comunicação do seu tempo. Integrou as equipes das revistas O Cruzeiro, Realidade, Veja e Quatro Rodas. É autor dos livros As Duas Guerras de Vlado Herzog (Civilização Brasileira), Tempo de Reportagem (LeYa), A Infância de Ziraldo (Callis), O Menino Lula (Ediouro), A infância de Graciliano Ramos (Callis) e Repórteres (Senac-SP).

Criação do Troféu

A peça Troféu Audálio Dantas é fruto do talentoso trabalho do artista plástico Roger Mátua. A obra foi criada a partir de uma ilustração da Laerte para a 1ª edição do Cadernos de Jornalismo do Projeto Repórter do Futuro, da OBORÉ, em 1996. A tradicional imagem de São Jorge enfrentando o dragão foi ressignificada pelo traço da artista: ao invés de lança, o santo empunha um microfone e em seu elmo há uma câmera.

Galeria de homenageados

A primeira homenageada com o Troféu Audálio Dantas foi Patrícia Campos Mello, em 2020, em meio aos piores momentos da pandemia. Mara Régia Di Perna, Luis Nassif e Jamil Chade foram os agraciados em 2021. Julian Assange, Eliane Brum e os jornalistas do Consórcio de Veículos de Imprensa que atuaram na cobertura da pandemia, em 2022. E no ano passado, Valmir Salaro, Bruno Paes Manso, Juliana Dal Piva, Leonardo Sakamoto, Rene Silva e Gregório Duvivier.

Promotores

A curadoria desta comenda desenrola-se ao longo do ano sob a coordenação da Família Audálio Dantas, OBORÉ, UBE - União Brasileira de Escritores, SJSP - Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Agência Sindical, Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e Gabinete do vereador Professor Eliseu Gabriel (PSB). A iniciativa conta com a participação ativa e criativa das seguintes entidades e coletivos: Associação Brasileira de Imprensa, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo, ARFOC - Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos no Estado de São Paulo, Associação Profissão Jornalista, Canal da Praça, Centro Acadêmico Vladimir Herzog / Cásper Líbero, CÉU - Museu de Arte a Céu Aberto, Coletivo Café Sem Pauta, Colibri & Associados Comunicações, CJP - Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, Constructo, Escola Municipal de Ensino Fundamental Vladimir Herzog, Federação Nacional dos Jornalistas - Fenaj, FNDC - Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Fotos Públicas, Grupo Tortura Nunca Mais de SãoPaulo, Instituto do Memorial de Artes Gráficas do Brasil, Instituto Elifas Andreato, IPFD - Instituto de Pesquisa, Formação e Difusão em Políticas Públicas e Sociais, Instituto Premier de Educação e Cultura, Instituto Vladimir Herzog, Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Jornalistas & Cia, Pimp My Carroça e Cataki, Projeto Repórter do Futuro, Ricardo Viveiros & Associados, Sindicato dos Professores de São Paulo e Sindicato dos Jornalistas de Alagoas.

SERVIÇO

Entrega do “Troféu Audálio Dantas - Indignação, Coragem e Esperança” a Ricardo Kotscho

7 de junho de 2024, sexta-feira, Salão Nobre da Câmara Municipal de São Paulo

Boa noite, pessoal.
Obrigado a todos por terem vindo, aos que votaram em mim e organizaram este evento.
Juro que, a essa altura do campeonato, já na prorrogação da vida, ao completar 60 anos de profissão, eu não esperava mais ganhar nenhum prêmio. Só de continuar vivo, e ainda trabalhando no que mais gosto, já é uma vitória diária.
Mas, receber este belo troféu com o nome do meu grande mestre e amigo Audálio Dantas, tem um gosto muito especial, por nos lembrar de um tempo de resistência, em que lutamos juntos pelo fim da ditadura e a volta da democracia. Certamente, é o mais importante e valioso que já recebi.
Com a sua coragem, caráter e lucidez, sempre firme e sereno, Audálio se tornou uma estrela guia para gerações de jornalistas. Se estamos aqui hoje, vivendo em liberdade, devemos muito a esse alagoano arretado, que não tinha medo de cara feia e arrostou os milicos responsáveis pelo assassinato covarde de Vladimir Herzog, o nosso Vlado, nos calabouços da ditadura.
Ali foi um divisor de águas no lento processo de abertura política, um momento de afirmação da sociedade civil, um grito de basta! ao arbítrio. Foi um primeiro passo nas lutas pela redemocratização do país. Depois, vieram a Anistia, a campanha das Diretas Já, a Constituinte _ em todas elas, o velho Audálio estava presente.
Por isso, quero agradecer, em primeiro lugar, à Vanira e a toda a família Dantas, por manterem vivo o legado de Audálio, graças também ao trabalho do Sérgio Gomes, da Oboré, incansável na busca da unificação da luta dos movimentos democráticos e populares, hoje aqui representados por tantas entidades da sociedade civil organizada. Audálio ficaria contente de reencontrar todos vocês aqui.
Foi muito dolorido, eu sei, para a família e os amigos, perder a companhia dele, já faz seis anos, mas acho que o Audálio foi sábio ao se retirar de cena antes que a extrema-direita troglodita chegasse ao poder, para destruir tudo o que ele ajudou a construir.
Correria o risco de morrer de tristeza. Como pode o Brasil ter produzido essa tragédia bolsonarista, que continua atrapalhando a reconstrução e reunificação do país, para que possamos voltar a viver com tranquilidade?
Enquanto a Justiça não encerrar e julgar todos os processos contra essa quadrilha golpista, tirando de circulação o capitão e seus generais, estaremos ameaçados de um retrocesso, a exemplo do que aconteceu no 8 de Janeiro.
A luta continua, companheiros, mas estamos agora mais velhos, reconheçamos... Está na hora de passarmos o bastão, mas para quem? Aonde estão as novas lideranças? Enquanto isso, o retrocesso avança em todos os setores, com o Congresso Nacional dominado pelo bolsonarismo mais vil, como vimos ainda na semana passada. O cenário, lamento dizer, é sombrio. Repórter, como Audálio ensinava, não pode brigar com os fatos. É um ser que pergunta e depois relata o que está acontecendo, da forma mais verdadeira possível.
Eu não perco as esperanças de que dias melhores virão, mas está difícil. Sinto o presidente Lula muito isolado no governo, com velhas lideranças fora de combate e sem que novas tenham surgido para animar a militância com novas ideias e projetos. Não adianta trocar seis por meia dúzia no ministério para agradar o Centrão, a mídia e o mercado. Eles são e sempre serão contra nós. Falta gente nova, aguerrida e boa de serviço do nosso lado, esse é o fato.
Noto também que está se fechando um ciclo da vida política do país, sem que se vislumbre no horizonte como será o novo. Temos que sair desse marasmo, mas não sei como. Se alguém souber, por favor, me conta. Espero sair daqui mais animado pra tomar uma cervejinha com os amigos, que ninguém é de ferro, e hoje é dia de celebrar este inesperado e bem-vindo prêmio.
Por fim, dedico este prêmio à minha neta Laura, que está começando no jornalismo, e às filhas Mariana e Carolina, três mulheres de valor que muito me orgulham e me ajudaram a chegar até aqui.
Vida que segue.
Muito obrigado.

São Paulo, 7 de maio de 2024

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